O Brasil nos BRICS - e a antiga busca por protagonismo nas relações internacionais
A Cúpula dos BRICS, recentemente realizada no Brasil (4 a 7 de julho de 2025), oferece um momento oportuno para discutir o atual lugar do país nas relações internacionais: por um lado, constrangido por limitações sistêmicas históricas; por outro, aventurando-se mais corajosamente nas possibilidades que se abrem com as fissuras da hegemonia estadunidense, em busca do tão almejado protagonismo global e da liderança latino-americana.
Jim O'Neill concluiu que essas características permitiriam que os BRIC exercessem influência crescente na economia global no início do século XXI, reconfigurando as hierarquias internacionais herdadas da Guerra Fria.
A sigla e, sobretudo, a ideia que ela encerrava, ganhou força nos meios econômicos e políticos internacionais. Os quatro países formalizaram a existência do BRIC em 2009, alterando o nome para BRICS em 2010 com a entrada da África do Sul (que, apesar de não apresentar as mesmas características dos membros originais, é a maior economia do continente africano). O grupo tornou-se um fórum de relevância crescente, pautado pela crítica à ordem internacional vigente e pela proposição de agendas alternativas.
Nos últimos anos, os BRICS consolidaram-se como a principal alternativa ao "sistema de Bretton Woods", sustentáculo da hegemonia estadunidense desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
A dificuldade inicial de encontrar pontos de convergência entre países tão díspares foi sendo superada gradualmente. A fundação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), em 2014, marcou uma nova etapa de densidade institucional, agora posta à prova com o ingresso de novos membros (Irã, Egito, Etiópia, Indonésia e Emirados Árabes Unidos), que não compartilham os atributos estruturais dos membros fundadores, tornando o mosaico do Sul Global ainda mais complexo.
Na Cúpula realizada no Rio de Janeiro, com as ausências de Xi Jinping (China) e Vladimir Putin (Rússia), e a presença de Narendra Modi (Índia) e Cyril Ramaphosa (África do Sul), a tônica foi sinalizar alguma coesão em meio às divergências (e até conflitos) entre os países-membros.
Entre as declarações mais expressivas do encontro, destacam-se: o compromisso de alcançar 30% dos financiamentos do NBD em moedas locais até 2026; a defesa de uma reforma urgente no Conselho de Segurança da ONU; e críticas às barreiras comerciais “verdes” impostas pela Europa. Esses pontos indicam a proposta de um novo tipo de multilateralismo, que inevitavelmente colide com os interesses da hegemonia estadunidense e de seus aliados ocidentais (Europa, Canadá, Japão e Austrália), organizados em uma complexa arquitetura internacional que envolve, entre outras formas, o G7 e a OTAN.
A contestação promovida pelo Sul Global não é novidade, remonta à Conferência de Bandung (1955) e ao movimento dos países não alinhados, mas revela-se hoje mais efetiva do que os pleitos do século XX, e mais ajustada aos interesses geopolíticos atuais de China e Rússia. Para o Brasil, no entanto, essa oposição binária entre BRICS e Ocidente pode ser custosa, afinal, entre os fundadores, é o que possui os laços históricos mais profundos com os Estados Unidos e com a cultura ocidental, ainda que em posição estruturalmente subalterna.
Ainda assim, abrem-se possibilidades concretas, como a de o Brasil atuar como mediador estratégico. Para isso, é preciso manter-se comprometido com os BRICS, sem romper os vínculos com EUA e aliados, uma equação cada vez mais delicada, sobretudo diante de um eventual retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, o que tende a empurrar o Brasil para a órbita chinesa. A China, por sua vez, tem aproveitado essa conjuntura para ampliar sua influência na política externa brasileira, tornando-se não apenas o principal parceiro comercial do país, mas também investidora em infraestrutura e colaboradora em áreas tecnológicas e culturais.
Para consolidar sua posição, o Brasil precisa também firmar-se, de maneira inequívoca, como o líder regional na América Latina. E isso implica em muito mais que retórica: exige investimentos públicos e privados, cooperação para o desenvolvimento e integração em diversas esferas. É preciso exercer uma liderança ativa e construtiva, substituindo a velha ideia de “liderança natural” por práticas efetivas de solidariedade regional.
A relação entre Brasil e Estados Unidos é marcada por assimetrias profundas: o apoio estadunidense ao golpe de 1964, os obstáculos ao desenvolvimento industrial autônomo, a adesão forçada a regimes comerciais desfavoráveis e o preconceito racial e cultural são apenas alguns exemplos. Já a relação com a China, embora envolva divergências em temas como democracia e direitos humanos, tem sido mais pragmática e benéfica. A China é hoje o principal parceiro comercial e o maior investidor estrangeiro em infraestrutura. O NBD, presidido por Dilma Rousseff, já aprovou mais de 40 bilhões de dólares em projetos, sendo 22 bilhões já desembolsados. O BNDES captou, até aqui, 1,7 bilhão de dólares em recursos destinados a iniciativas voltadas ao clima e à infraestrutura.
Não se trata de estremecer a relação com os EUA, mas de abandonar a condição de país tutelado. O BRICS oferece uma estrutura institucional que permite ao Brasil alguma margem de manobra para ajustar seu grau de aproximação com os EUA - respeitando mais os interesses pátrios e não apenas como reflexo automático da hegemonia alheia.
A conjuntura internacional favorece essa inflexão. Os Estados Unidos atravessam instabilidades internas e declínio relativo de influência; a Europa enfrenta problemas estruturais graves, como a Guerra na Ucrânia, o envelhecimento populacional, crises migratórias e perda de relevância militar.
Contudo, o cenário nos BRICS também não é livre de riscos. A recente expansão do bloco incorporou países com grande potencial comercial, mas com profundas divergências culturais e geopolíticas. O principal risco para o Brasil, porém, não está em ser arrastado para as agendas de outros membros (a tradição diplomática brasileira é hábil nesse sentido), mas sim em trocar a subordinação aos EUA pela dependência da China. Com a China assumindo cada vez mais o papel de principal financiadora dos BRICS, o desafio brasileiro é manter a relação bilateral em bases de horizontalidade e autonomia.
Neste momento histórico, o Brasil tem diante de si uma rara oportunidade. O relativo enfraquecimento do modelo hegemônico ocidental abre espaço para que o país assuma um papel mais ativo na construção de uma nova ordem internacional. Mas isso exigirá coragem política para enfrentar a resistência interna de setores da elite econômica que lucram com a subalternidade.
Dito isso, não há mais espaço para presidentes que batem continência à bandeira dos Estados Unidos, como fez Jair Bolsonaro em 2019.
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